novembro 05, 2004

O que faço com a tela do meu quarto? (Parte I)

Nunca deixei que ninguém tocasse a tela... Acho que só eu consigo realmente tocar-lhe... Por vezes, os autores têm destas coisas em relação às suas criações! Tu também tens as tuas manias com os teus quadros. Não faças essa cara, ou esqueces-te que te conheço bem!?

Não deixo sequer que dela se aproximem muito. Continua exactamente no lugar onde a colocaste... na parede, bem em frente da minha cama. Chego a pensar que fizeste de propósito, para que nunca me esquecesse de ti! O que talvez não saibas é que não era preciso isso...

Outras vezes, penso que a colocaste ali, no meu quarto, naquele local sem dúvida estratégico, para intimidares com a tua beleza qualquer mulher que por lá apareça!

Em dias mais calmos, penso apenas que a colocaste lá para vigiares o meu sono e tomares conta dos meus sonhos agitados... ou mesmo para que sonhasse contigo. É difícil não o fazer quando a moldura é a última coisa que se olha antes de adormecer na minha cama!

Podias ter escolhido qualquer outro lugar!!! Um menos incómodo para mim!!! Ou podias ter levado a tela contigo quando decidiste partir!! Mas não!! Sempre gostaste de me perturbar das formas mais estranhas, acho que te dá prazer. Por fim, acabaste por confessar que tinhas inventado tudo só para me veres assim... que adoravas ver-me assim perturbada por tua causa!!! Pois, a tua loucura sempre presente em tudo!!

Sim, talvez seja por isso que colocaste ali a tela!!

Realmente aquela moldura perturba-me... por vezes, parece que regrido no tempo e ainda te estou a pintar, ainda estamos na margem daquele pequeno rio, e ainda te vejo a entrar, todo vestida, naquelas águas, como se o tempo que demorasses a tirar a roupa fosse precioso para ti... como se o tempo que tens para viver não chegasse...

Ainda te ouço dizer, ao saíres completamente encharcada, com a roupa colada ao corpo, correndo para mim como uma criança para o colo da sua mãe: "é hoje que quero que me pintes, tem de ser hoje... ou então nunca deixarei que o faças..."

(continua)