maio 17, 2005

Um adeus português

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Road by EdwardDimsdale

Nos teus olhos altamente perigosos
Vigora ainda o mais rigoroso amor
A luz de ombros puros e a sombra
De uma angústia já purificada.

Não tu não podias ficar presa comigo
À roda em que apodreço
Apodrecemos
A esta ensanguentada que vacila
Quase medita
E avança mugindo pelo túnel
De uma velha dor.

Não poderias ficar nesta cadeira
Onde passo o dia burocrático
O dia-a-dia da miséria
Que sobe aos olhos vem ás mãos
Aos sorrisos
Ao amor mal soletrado
À estupidez ao desespero sem boca
Ao medo perfilado
À alegria sonâmbula à vírgula maníaca
Do modo funcionário de viver

Não poderias ficar nesta cama comigo
Em trânsito mortal até ao dia sórdido
Canino
Policial
Até ao dia que não vem da promessa
Puríssima da madrugada
Mas da miséria de uma noite gelada
Por um dia igual

Não poderias ficar presa comigo
À pequena dor que cada um de nós
Traz docemente pela mão
A esta pequena dor portuguesa
tão mansa quase vegetal

Não tu não mereces esta cidade não mereces
Esta roda de náusea em que giramos
Até à idiotía
Esta pequena morte
E o seu minúsculo e porco ritual
Esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
Da cidade onde o amor encontra as suas ruas
E o cemitério ardente
Da sua morte
Tu és da cidade onde vives por um fio
De puro acaso
Onde morres ou vives não de asfixia
Mas às mãos de uma aventura de um cemitério puro
Sem a moeda falsa do bem e do mal

*

Nesta curva tão terna e lancinante
Que vai ser que já é o teu desaparecimento
Digo-te adeus
E como um adolescente
Tropeço de ternura
Por ti.


Alexandre O’Neill