maio 16, 2005

Sintra(1822)

Solidão, eu te saúdo! Silêncio dos bosques salve!
A ti venho, ó Natureza; abre-me o teu seio.
Venho depor nele o peso aborrecido da existência; venho despir as fadigas da vida.
Quero pensar só comigo; quero falar a sós com o meu coração.
Os homens não me deixam; amparai-me vós, solidões amenas; abre-me o santuário das tuas grutas.
Eu perguntarei aos troncos pelas idades que viram correr; e os troncos me responderão meneando as suas ramas:
«Elas passaram».
Eu cantarei aos prados os meus amores e o cálice das boinas se abrirá para me dizer:
«Também nós amamos».
(…)
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Solidão, eu te saúdo! Silêncio dos bosques salve!
Solidão, eu venho a ti; já me não quero senão no teu seio,
Trago o coração oprimido; mão de ferro mo aperta.
O espinho da dor está cravado no meio dele; a angústia o torce sem piedade.
O afogo lhe travou das artérias; todo o peso da desgraça está em cima dele.
O meu sangue já não tem vida; e circula de mau grado pelas veias frouxas.
Arde-me não sei que fogo no íntimo do peito; queria chorar e não tenho lágrimas.
Travam-me na boca os azedumes do passado; a aridez do futuro secou os meus olhos.
O que foi e o que há-de ser anda-me esvoaçando pela fantasia; são pensamentos de asas negras como o corvo agoureiro.
O momento que é desaparece no meio deles; é porque não é nada.
(…)
O presente está no meio como o ponto no centro do círculo; mas a sua existência é quimera.
Os raios que partem para a circunferência são reais; tal é a minha vida.
Daquele ponto imaginário tiro linhas verdadeiras para que o que fui e para o que hei-de ser; todos vão parar ao mal.
Eu tive coração, amei; ainda o tenho, e amo.
(…)
Por isso eu não quero viver mais com os homens; quero chorar de noite e de dia:
A cidade é para mim o deserto; a solidão é a minha pátria.
Solidão, eu te saúdo! Silêncio dos bosques salvé!

Almeida Garrett